Nosso olhar parte da percepção de uma alteração na forma de organização do mercado brasileiro a partir da última década, especialmente no que concerne à disseminação da alta gastronomia e dos bens de luxo para parcelas ascendentes da população. Aos poucos ganha corpo um novo segmento de mercado que ficou conhecido pela oferta de produtos gourmets, na esteira de tendências internacionais de reelaboração da apresentação dos produtos. Como são transformações recentes, que começaram a se consolidar na passagem do século XX para o XXI, nossa proposta é tomar o caso do consumo de café como meio de se pensar as consequências premeditadas e nãopremeditadas desse processo de reorganização do mercado, levando em conta as implicações do mesmo para o consumidor metropolitano. Isso porque a apreciação de cafés de alta qualidade, segmento que toma parte no circuito mais amplo dos produtos gourmets, vem ganhando força nas metrópoles brasileiras, em conjunto com a disseminação massiva de cafeterias especializadas. Do ponto de vista sociológico, levanta-se a pergunta acerca dos modos socialmente estruturados de usar bens de consumo para demarcar relações sociais, já que o consumo de determinadas bebidas, como é o caso do café nas atuais metrópoles brasileiras, pressupõe uma capacitação da percepção, por parte dos consumidores, no sentido de perceber as diferenças internas à composição do produto. Assim, o consumo de café serve para apontar a existência empírica de uma nova forma de competência social, que distingue os indivíduos entre si na medida em que alguns consumidores passam a complexificar o discernimento dos produtos ofertados. Até que ponto essa nova capacitação envolve uma estratégia de distinção por parte de determinados segmentos sociais, caracterizando também novas formas de se conceber o prestígio social, é uma hipótese a ser investigada. Tendo em vista a significativa expansão desse mercado no país, pretendemos dirigir o olhar sobre a repercussão da ampliação do leque de produtos gourmets na formação de novas hierarquias simbólicas entre os consumidores, não só no sentido de uma distribuição desigual das capacidades de apreciação e usufruto dos produtos, mas também no sentido da disseminação de novas formas de conhecimento especializado – isto é, novos símbolos, novos marcadores sociais. Na esteira dessas inovações simbólicas, veremos também como a circulação de determinados sabores traz em evidência os conflitos sociais que se sedimentam nas cafeterias, onde consumidores e especialistas se enfrentam na antinomia das diferenças de percepção adquiridas — e onde o café amargo, forte e encorpado do brasileiro encontra o café de acidez acentuada, torra clara e dotado de notas florais e frutadas
Our perspective begins with the perception of a significative change in the organizational form of the Brazilian market during the last decade, especially concerning the spread of the haute cuisine and the luxury goods for ascending portions of the population. Gradually, we see the emergence of a new segment that became known for offering “gourmet products”, that occurs within international trends that implies re-designing the product presentation. Our proposal is to take the case of coffee consumption as a mean of studying the premeditated and non-premeditated consequences of this process, taking into account the implications for the consumers’ everyday life. The appreciation of high-quality coffee, a segment which takes part in the wider circuit of gourmet products, is gaining strength in several Brazilian cities, together with the massive spread of contemporary coffeehouses. From a sociological point of view, we raise the question about socially structured ways to use consumer goods to display social distance, since the consumption of certain beverages, such as coffee nowadays, entails a sort of perceptive-knowledge capital, in order to understand the differences in the composition of the products. Therefore, coffee consumption today is empirically rich, because it shows us the existence of a new form of social competence that distinguishes individuals from one another as long as some consumers begin to sharpen their evaluation of the products offered. To what extent this new capital entails a strategy for “distinction”, featuring new ways of conceiving the social prestige, that’s an hypothesis that needs to be investigated. Given the huge expansion of this market, it is important to look at the results of the process towards the formation of new symbolic hierarchies among consumers, not only in the sense of an unequal distribution of perceptive skills, but also towards the spread of knowledge expertise – new symbols, new social markers. Following these symbolic innovations, it is imperative to realize that the very circulation of flavors brings about social conflicts that sediment in the coffee shops, where consumers and experts meet alongside different standards of taste — and where the bitter, strong and full-bodied Brazilian coffee confronts the bright, acidic and light-roast, endowed with floral and fruity notes.